No jargão militar, “zero dark thirty” significa meia-noite e meia, horário do começo da operação que culminou com a morte de Osama bin Laden. É também o título original de “A Hora Mais Escura”, drama de Kathryn Bigelow, indicado a 5 categorias no Oscar (entre elas melhor filme). O longa, sobre a caçada ao líder terrorista, morto em maio de 2011, forma um díptico interessante junto ao trabalho anterior da diretora, o oscarizado “Guerra ao Terror” (2008). A estreia nos cinemas brasileiros será nesta sexta (15).
A simetria entre os dois longas se dá pelo 11 de Setembro. Com um tom documental que se mantém por todo o filme, “A Hora Mais Escura” começa com os ataques às Torres Gêmeas e termina com a morte de Bin Laden –ou seja, 10 anos depois.
Assim, a trama, assinada por Mark Boal (ganhador do Oscar de roteiro por “Guerra ao Terror”, em 2010), acompanha um ciclo, embora o roteiro tenha começado a ser desenvolvido antes da morte do líder terrorista, passando por diversas adaptações.
Jessica Chastain (“A Árvore da Vida”) interpreta a protagonista, Maya, agente da CIA, para quem a caça a Osama se torna uma missão pessoal, à qual dedica sua vida –por isso, um grande vazio segue-se ao cumprimento da missão.
Antes disso, Maya (personagem baseada em diversas figuras reais, entre elas uma agente que até hoje vive escondida) passará por diversas provas de fogo. A primeira se dá logo na chegada ao Oriente Médio, onde acaba fazendo parte de um interrogatório que envolve tortura. Uma cena polêmica, que levou a CIA real a investigar os produtores do filme para saber de onde conseguiram esse tipo de informação –evidentemente, a agência negou que esse tipo de procedimento tenha ocorrido.
Há um momento muito significativo no longa, em que, na TV, Barack Obama, já presidente dos Estados Unidos, diz que o país não pratica tortura. O rosto de Maya torna-se inexpressivo nesse momento.
O fato de que a cena do interrogatório venha logo depois de um prólogo no qual, com a tela escura, ouvem-se fragmentos de frases de vítimas do 11 de Setembro ao celular, momentos antes de suas mortes, tem algo a dizer sobre procedimentos dos EUA fora de seu próprio país, que talvez não sejam muito diferentes dos terroristas.
Ao mesmo tempo, deixa-se claro que a tortura não garante que as informações obtidas sejam confiáveis –embora, a rigor, a morte de Bin Laden possa ser considerada também uma consequência da tortura, embora não só dela. Não que o filme tome alguma posição explícita, mas expõe estes fatos contraditórios. E, já que o tema da tortura foi exposto em reportagens e livros, omiti-la seria um ato de covardia do filme.
A trama se desenrola como um suspense, como se uma bomba estivesse em contagem regressiva para explodir. Embora a maioria dos fatos seja bem conhecida, Bigelow e Boal são capazes de armar tensão –especialmente entre os personagens.
Longe do perfil de uma heroína típica, Maya, antes de tudo, precisa lutar contra o sistema, representado por seu superior (Kyle Chandler). Seu principal colega na empreitada, Dan (Jason Clarke , de “Os Infratores), volta para os EUA, quando o clima político muda a partir das investigações comandadas por comitês legislativos sobre os procedimentos adotados no Oriente, e ela fica sozinha para não só procurar Bin Laden, mas também lidar com a burocracia.
Primeira diretora a vencer o Oscar de direção, por “Guerra ao Terror”, Kathryn Bigelow embute no filme um viés feminista ao colocar, num ambiente tipicamente masculino, duas agentes mulheres –a outra é interpretada por Jennifer Ehle. Pode até ser um paralelo com a própria carreira da diretora, que sempre fez longas em gêneros mais associados aos homens. Ao mesmo tempo, o seu diferencial está em construir a dialética entre os momentos de ação coletiva e o drama de contorno intimista das pessoas nele envolvidas.
Como a unidade de marines que irá invadir o bunker de bin Laden é individualizada –interpretada por atores como Joel Edgerton e Chris Pratt– e humanizada.
Em um ensaio fundamental, chamado “O Espírito do Terrorismo”, de 2002, o filósofo francês Jean Baudrillard afirma que “o antagonismo está em todo lugar. Portanto, é terror contra terror. Mas terror assimétrico”. De certa forma, “A Hora Mais Escura” é um filme que ilustra essa tese. Apesar de alguns maniqueísmos, levanta um debate relevante sobre as condições geopolíticas do mundo contemporâneo.
Fonte: http://cinema.uol.com.br/